quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Los Hermanos - Bloco do Eu Sozinho
***Toda Bossa é Nova***


Se no ano de 1999 você não estava surdo, se se importava um mínimo que fosse com música (mesmo que fosse só com as que te incomodavam) e se estava no Brasil, então você deve saber que o fenômeno musical daquele ano foi a música Anna Julia, do primeiro trabalho da banda carioca Los Hermanos.

Para você que estava surdo, que não dava a mínima para música ou que estava fora do país, apenas como parâmetro, Anna Julia seria hoje, nos anos 2000, em termos de popularidade, como aquele funk proibidão da dupla Cidinho e Doca, que ficou conhecida depois do filme Tropa de Elite de José Padilha. Se você está lendo isto em 2017, Anna Julia devia ser equivalente a esta música bizarra surgida no norte do Sri Lanka que está em primeiro lugar no top 10 da sua rádio preferida.

Um primo meu que não era primo sangüíneo, mas sim por imposição, fã de Backstreet Boys, apareceu com o primeiro CD dos Los Hermanos em um dia qualquer do ano de 1999. Claro que fiquei desconfiado. Poxa, ele gostava simultâneamente dos Backstreet Boys e dos Los Hermanos, como é que Los Hermanos poderia ser bom? Não foi minha culpa, eu juro. Foram as circunstâncias. Eu não gostava de Anna Julia, era muito romântica para os meus conceitos políticos da época. Ouvi aquele CD inteiro, achei péssimo. Banda tocando música pesada com letras de amor? Muito estranho. Esqueci o ocorrido.

Alguns poucos anos depois, na verdade não me lembro como e nem através de quem, o segundo CD da banda chegou a mim. Na capa havia o desenho de um boneco esquisito. Título: Bloco do Eu Sozinho. Lançamento: 2001. Deve ter sido adquirido em alguma destas liquidações de loja de departamento, pois naquela época ninguém mais lembrava da banda, que fez relativo sucesso com a música Anna Julia, e desapareceu. Ouvi o disco também. Conclusão: Apenas 2 anos após traumatizantes audições de Anna Julia em auto-falantes de carros, padarias, festivais, escolas, rodas de violão e banheiros, aquela banda não existia mais.

Era uma outra banda. O Bloco do Eu Sozinho é como se a banda Weezer tivesse vindo para o Brasil e ficado isolada em um sítio ouvindo Cartola, Chico Buarque e The Specials para gravar o disco. Tinha alguns skas transgênicos, guitarras arrastadas, sambas adulterados. As letras de amor continuavam lá, sempre, mas desta vez se envolviam mais com as músicas, se completavam.

Foi difícil admitir, mas Los Hermanos tinham lançado um excelente trabalho. Da abertura com Todo Carnaval Tem Seu Fim até o fechamento com Adeus Você são 14 faixas, dentre as quais destaco Retrato para Iaiá que tem um clima havaiano que não sei explicar ao certo, letra simpática e contagiante, e a minha predileta do disco e uma das preferidas compostas nos anos 90, Cadê Teu Suin-?. Esta, além de ter um conjunto de metais excepcionais, ritmo quebrado nada convencional, tem uma letra absurdamente bem construída, onde o final de cada verso é o início do verso seguinte. É uma crítica voraz à indústria fonográfica, que é implacável com aqueles que não têm “padrinhos” no meio musical. Muitos não percebem esta crítica pelo fato da música em si ser muito alegre, lembrando trilha de desenho animado dos tempos não-modernos, mas é a única canção do disco que não fala de amor.

Outras faixas também merecem atenção dobrada, caso de A Flor, Cher Antoine, cantada parte em francês e parte em português, e Veja Bem Meu Bem. Mas exceto Cadê Teu Suin-?, o verdadeiro destaque fica com Adeus Você, porque encerrar um disco dizendo "quero ver você maior, meu bem, pra que minha vida siga a diante" é para poucos.

Depois do Bloco do Eu Sozinho, voltei a ouvir o primeiro CD da banda e percebi que havia muitas coisas boas escondidas ali, mas que precisei de tempo para poder compreender. Os dois álbuns posteriores, Ventura e 4 são ótimos também, mas fazem parte de outra história.

Quem ainda não pôde ver a banda tocando ao vivo, torçam para que eles voltem a fazer shows (estão em recesso), porque mais do que um show onde todos os presentes cantam todas as músicas a plenos pulmões, é uma lavagem de alma em massa a preços populares.

E é claro, não me esquecendo de deixar aqui um pedido: caso a pessoa que me emprestou o Bloco do Eu Sozinho pela primeira vez tenha sido você, me recorde, pois tenho muito a agradecer por você ter aberto meus olhos antes que eles se fechassem sem que eu soubesse do que é feito o samba.

Conheça mais sobre a banda: