“Eu sou o tenebroso, o irmão sem irmão, o abandono, inconsolado, o sol negro da melancolia”: assim começa um dos discos mais importantes que já passaram por estes ouvidos. Achava muito estranho para uma pessoa que não acompanhasse, ou mesmo para quem acompanhou a carreira do cantor desde os anos 80, entender àquele álbum. Era a contramão da contradição do que fazia nos anos anteriores. Nada de rock´n´roll, nada de new wave, nada de pseudo-MPB. Seguiu o caminho oposto ao mainstream e das facilidades radiofônicas, não emplacou hits, numerou os CD´s, vendeu um número de cópias acima do normal para os padrões e reinventou o conceito de música independente no Brasil.
Criou um disco de músicas não-entituladas rock, Nostalgia da Modernidade (por sinal, um dos melhores nomes de disco que já vi), de 1995, um outro de música “eletronizada”, A Noite, de 1998, até chegar a este que é a sua obra máxima (até o momento), A Vida é Doce, de 1999.
Tenho um sério problema em me lembrar quem me apresentou alguns artistas e bandas por ter sido há algum tempo, e na época não devo ter prestado tanta atenção, mas podem continuar me emprestando livros, cd´s, discos e DVD´s que minha memória está melhor, e não apenas não esquecerei, como ainda, devolverei todos.
Deste lembro-me vagamente que foi um amigo que mora na rua de cima até os dias de hoje. O disco vinha encartado em uma revista, que tinha algumas letras e poemas. Ele tinha comprado em uma banca de jornal. CD em banca de jornal? E não era um daqueles de coleções ou de demonstração de jogos para computador? O conceito de distribuição era diferente, e por isso conseguiu sucesso.
A qualidade do disco é incontestável, e somente a falta do pagamento de “jabá” explica porque não alcançou sucesso radiofônico. Algumas faixas me chamaram atenção, mas ainda preferia o material produzido nos anos 80, como todo bom ouvinte de rock nacional FM. Tempos depois adquiri este disco em um Sebo , e nunca mais parei de ouvir. As intenções dos trabalhos anteriores foram mescladas, então as boas letras continuaram lá, junto com guitarras e efeitos eletrônicos. Arrisco até a dizer que é um disco bastante voltado ao trip-hop em seu melhor estilo Portishead. Músicas como Universo Paralelo, Tão Perto, Tão Longe e Mais Uma Vez mostram que efeitos eletrônicos sutis funcionam quando bem empregados. Descobri que a obra produzida pelo artista durante sua fase independente/anos 90 era infinitamente superior ao que produziu enquanto em uma gravadora major.
De todas faixas, as que mais merecem destaque são El Desdichado II pela letra poética e triste, cujos versos iniciais da canção se encontram no princípio do texto. O compositor um dia disse que foi escrita para um amigo que foi assassinado por uma criança de 13 anos, mas nunca soube deste história com mais profundidade. Tem também Tão Menina, descrita como “o hino da criança junkie” e com os versos “suas lágrimas que nunca brotaram inudam sua alma”, e a faixa título, A Vida é Doce, que na minha opinião é a música mais completa feita nos anos 90. A instrumentação orquestrada, misturando o trip-hop do Massive Attack, vocal falado, estilo hip-hop e letra fora de série, com múltiplas interpretações, e que ao final só nos faz sentir vontade de correr e pedir perdão.
O sentimento me persegue sempre que ouço a música A Vida é Doce é uma vontade imensa de chorar, e não é pelo drama ou tristeza da música, é por sua beleza. E enquanto ouço, fico feliz, por saber que ainda sou capaz de chorar diante de uma música do Lobão, um filme de Paul Thomas Anderson e um livro do Saramago, e me alegro em saber que palavras ainda tem um poder que nenhum corretivo apaga e nenhum coração resiste, por mais belas ou horrendas que sejam.
Conheça mais sobre a banda:
http://mtv.uol.com.br/lobao/news
http://www.myspace.com/lobaouniversoparalelo