domingo, 23 de outubro de 2011

Criolo - Nó na Orelha
*** O dinheiro vem pra confundir o amor ***



Minha namorada (e agora também esposa) nunca colecionou discos, nunca foi fã de bandas e artistas (exceto raras exceções) e nunca deu muita atenção às coisas que eu ouvia. Desde que decidimos morar juntos, e minha coleção de cd´s e vinis teve de obrigatoriamente ocupar um pedaço do nosso espaço, senti uma sutil mudança nisto. Não quer dizer que ela tenha iniciado sua própria coleção, nem que tenha ficado vidrada no Scremadelica do Primal Scream, ou que agora saiba de todas as particularidades do Nevermind. Longe disto.

Voltando um pouco no tempo, no hiato de quando iniciei até quando deixei de escrever no blog (é, isto já faz alguns anos), me lembro que o que me motivou a escrever foi justamente a falta de motivação com a música.

A partir da minha adolescência, comecei a conhecer artistas, essencialmente do gênero conhecido como rock, que influenciaram imensamente a forma como hoje encaro o mundo e as pessoas. Porém, com o passar dos anos e com a chegada de outras primaveras este encanto foi sendo perdido e aquele gosto pela busca árdua de novidades no meio musical foi sendo deixado para trás, ao passo que uma atenção maior foi dada aos artistas que eu já conhecia e acompanhava, e que de alguma forma tinham feito parte da minha formação. O meu desapego pelas novidades do rock foi grande, tanto que a última artista que realmente me tocou, embora tivesse atitude rock´n roll, bebia mesmo (sem trocadilhos) era na fonte da soul e do blues, e que como vocês bem devem saber, infelizmente teve sua carreira interrompida aos 27 anos, como muitos outros ídolos da música.

Realmente o mundo é pequeno.

Estive um dia, há muitos anos, na casa de um colega de um amigo meu, que pretendia ser produtor musical. À época ele nos mostrou alguns ensaios de um grupo de rap chamadoPentágono (assim como eu, da Zona Sul de São Paulo), que ficaria conhecido algum tempo depois, concorrendo como melhor vídeo clipe de rap em uma premiação da MTV, e também mostrou uma música que tinha os versos "Tô pra ver um daqui sucumbir", referindo-se as pessoas daquela região, que apesar das adversidades vividas, não sucumbiriam a um caminho mais curto. Não me recordo se não fui informado sobre quem cantava aquele som, ou se realmente não dei muita atenção, porém esta lembrança veio como um flash quando ouvi a música novamente. Enfim descobri quem era.

Esta música era do primeiro disco de um cara que até então assinava como Criolo Doido, e hoje assina apenas Criolo. Este cara foi o responsável por mais uma vez me fazer ter vontade de ouvir um disco por 10 vezes seguidas, de ler sua ficha técnica, conhecer sua história. O álbum a que me refiro, seu segundo trabalho, "Nó na orelha", mistura afrobeat, rap, reggae, samba, bolero e afins, e trouxe um sabor de novidade aos meus ouvidos, destes que fazem qualquer sinestesia parecer normal, e às vezes até nos faz perder os sentidos.

O disco tem a produção impecável de Daniel Ganjaman e Marcelo Cabral, e letras que conseguem, de maneira inteligente e sutil, descrever poeticamente temas cotidianos. Apresenta alguns motes que somente quem é da periferia consegue entender. Só quem já zoou com cachorros nas ruas (pex, pex!!! ), e quem conhece padarias que não vendem pão, vai perceber estes detalhes que se assemelham às expressões paulistanas de Adoniran Barbosa, com uma abrangência incrível.

Na contramão das descrições da cidade de São Paulo feita pelos demais grupos de rap, com seus relatos de violência policial, homicídios e rebeliões, Criolo conseguiu com a maestria de um Cartola dizer isto de uma forma muito mais lírica: "Não existe amor em SP". É óbvio que alguns criticaram negativamente, e muitos elogiaram, mas ninguém ficou inerte. Sempre haverão discussões do tipo: "Ah, mas o Criolo nem é tudo isto, este disco é bem mais ou menos". Eu, particularmente, não tenho mais paciência para este tipo de discórdia. Me importa muito mais o quanto as coisas me tocam e o quanto me parecem sinceras. Muitas das últimas ditas "salvações da música" ou "next big thing" como gostam de dizer na gringa (e olha que aparece pelo menos 1 por mês), não me fizeram esboçar um sorriso sequer, então, ainda prefiro ouvir as críticas dos meus ouvidos e meu coração a me prender a conceitos estéticos, pré-conceitos ou críticas especializadas.

Voltando. Realmente o mundo é pequeno: quem diria que uma música que eu ouvi precariamente gravada em um computador na casa de uma pessoa onde estive apenas uma vez na vida seria de um cantor tão sincero e honesto com o que faz, vindo do Grajaú, no extremo sul da Zona Sul de São Paulo, e que reacenderia a minha paixão (cada vez mais rara) por algo novo no mundo da música?

Esta sinceridade é tão transparente nas canções que até mesmo uma pessoa que não é fã de música, não coleciona discos e não dava muita atenção para as músicas que eu gostava também levou este "Nó na orelha", e ouve com tanta assiduidade quanto eu, entendeu todas as letras, descobriu a história e sentiu, pela primeira vez, aquele prazer indescritível de colocar um ótimo disco para ouvir e acompanhar cantando num sábado de manhã, aguardando para ver um show e esperando o próximo lançamento.

Muito mais do que um disco sincero para ouvir, Criolo e seu "Nó na orelha" fizeram com que agora minha companheira tenha interesse em saber o que escuto, se interesse mais pela história da música, divida suas opiniões e percepções com detalhes que muitas vezes só uma visão feminina consegue ver, queira saber os porquês e os “comos”, o que nos imerge muitas vezes em debates de temas mais amplos sobre indústria, mídia, comportamento e relacionamento humano, enriquecendo ainda mais uma relação já rica. Acredito que seja este tipo de debate que o Criolo e qualquer artista sincero almeja que aconteça.

"Nó na orelha" não tem grandes pretensões, não quer salvar o mundo, nem tampouco quer ser "a salvação da música", mas só por ter a oportunidade de ouvi-lo, de ter vontade de apertar o botão repeat do meu player de música, de escrever no blog novamente e dividir minhas impressões com meus pares, já me sinto em Pasárgada, já sou amigo do rei.