quinta-feira, 19 de junho de 2008

Jorge Ben - A Tábua de Esmeralda
***Até eu...***


Não, não sou roqueiro! Esta foi a resposta mais usada na maior parte do meu período de adolescente, quando questionado a respeito do meu gosto musical. O fato de eu usar camisetas de algumas bandas e possuir uma coleção de discos formada majoritariamente por discos de grupos e cantores do chamado rock, não significa que eu seja roqueiro. Ou significa? Não, não significa! Se fosse assim, a capital de São Paulo seria a cidade com maior concentração de surfistas do Brasil, dada a absurda quantidade de pessoas que se trajam de marcas como Sun Rocha e Belmacut.

Para ajudar a desmistificar o fato de eu não ser um roqueiro, mas sim uma pessoa que gosta de música que soe bem aos ouvidos, hoje resolvi escrever sobre um disco e sobre um artista que de rock não tem “quase” nada.

Jorge Ben iniciou cedo sua vida com a música. Li recentemente na biografia do cantor Tim Maia uma passagem em que ele, Tim Maia, na época apenas um gordinho desajeitado, cantando com voz grave, enrolando no inglês e sabendo apenas dois ou três acordes de violão, foi intimidado por Jorge Ben diante de seus amigos e de algumas garotas, pelo fato de Jorge ser imponente, já possuir uma certa malemolência e senso rítmico com o violão, características estas que podem ser facilmente ouvidas logo nos primeiros lançamentos do Ben. Seu disco de estréia, Samba Esquema Novo (1963), mistura samba, funk, maracatu, bossa nova, tudo ao seu jeito, é claro. Diz a lenda que tanto a batida quanto a afinação do violão de Jorge Ben nunca puderam ser copiados por ninguém, talvez, só por ele mesmo.

Após sua estréia, Jorge Ben lançou vários discos de importância, como O Bidú – Silêncio no Blooklin (1967) e Força Bruta (1970), mas em 1974 lançou um disco seminal para a minha vida, e ainda mais seminal para a música popular brasileira: A Tábua de Esmeralda. O disco pode ser considerado experimental e psicodélico, tanto por músicas longas com diversas orquestrações, como pelas letras sobre alquimia, esoterismo, viagens astrais e outros motes.

Os Alquimistas Estão Chegando abre o disco, com sua batida de violão contagiante, em cuja letra Jorge Ben descreve a atividade dos homenageados no título, mostrando que a eles sobra o que nos falta nos dias atuais. “...eles são discretos e silenciosos...”, “...escolhem com carinho a hora e o tempo do seu precioso trabalho...”, “evitam qualquer relação com pessoas de temperamento sórdido...”. É, ainda nos falta muito.

Jorge Ben nunca foi um artista conhecido por suas letras, mas sim pela facilidade em unir ritmos em gingas desconcertantes, porém, neste disco ele conseguiu, além de tudo, criar letras horas simples, horas complexas ou viajantes, em favor do conceito o trabalho. A simplicidade de O Homem da Gravata Florida, Zumbi e O Namorado da Viúva, se contrapõem com Errare Humanum Est e Hermes Trimegisto e Sua Celeste Tábua de Esmeraldas. Também tem Brother, uma espécie de mantra cantando em inglês, e além de um punhado de outras belas canções capazes de fazer o chão de qualquer festa sem graça tremer devido às danças dos pares.

O disco fecha com Cinco Minutos, música que seguindo o modo simples de composição Beniano, nos ensina a importância da tolerância e paciência.

E eu, acostumado a procurar sentido político em quase tudo o que ouvia até então, com este disco percebi que por mais político que fosse, não fazia sentido se não houvesse verdade, e para Jorge Ben, tudo o que foi dito n’A Tábua de Esmeralda está correto, quer queiramos, quer não. Talvez por isso este seja o melhor disco de um dos mais importantes artistas brasileiros, e talvez por isso seja um dos discos que mais ouço até hoje, e nunca deixou de me acompanhar em minhas viagens, pois é um disco alegre, urbano, praieiro e dançante.

Mesmo após mais de 30 anos de seu lançamento, a sutileza complexa deste disco não pôde ser superada.

Jorge Ben tornou-se alquimista: transformou música em ouro.


Conheça Mais Sobre o Artista:

http://www.jorgeben.com.br/


terça-feira, 25 de março de 2008

Jazzblaster - Isto Não é Um Disco de Jazz
****As mais circenses ilusões...***


Sofri por noites da minha vida em casas de shows, e os causadores deste sofrimento foram os menos óbvios. Nem a distância a percorrer da minha residência até o centro da cidade, onde as casas estão localizadas, nem ter de voltar em sábados ou domingos em coletivos lotados me desanimavam. O problema mor era que, para que eu pudesse assistir ao show desejado, da banda que gostava, tinha de esperar uma série de bandas medianas. E não eram poucas! Chegava-se ao absurdo número de 3 bandas de abertura por noite. É claro que dentro do cenário da música alternativa há sempre bandas mais conhecidas que convidam outras menos conhecidas para abrirem o espetáculo. Mas confesso que nestas noites, amaldiçoava Kurt Cobain e o Nirvana por terem lançado o disco Bleach, a demo mais vendido do mundo, que fez com que todo garoto ou garota acreditasse que era fácil criar uma banda. Eu também me enveredei em ter banda, mas um dia percebi que não era tão simples assim. Apenas empunhar uma guitarra e criar acordes dissonantes não era suficiente para ser uma banda sobressalente. Era preciso talento. Entretanto, esta é outra história que um dia contarei.

Todo este imbróglio serve para dizer que muitas bandas surgem com o intuito de fazer a diferença, mas poucas conseguem se tornar únicas.

Em meio a toda a confusa cena de música alternativa paulistana, surge uma alternativa de fato às incessantes horas de espera pelas bandas head-liners. Jazzblaster é seu nome.

Formada em 2005, a banda já foi quarteto e hoje é um trio. Já teve em sua formação, outros dois bateristas (Ricardo Sartori e Rodrigo Araújo), além de outro baixista (Martim Batista, que atualmente toca na Zefirina Bomba). Após algumas mudanças de formação, a banda se estabeleceu com Pablo Lopes (bateria), Nani Lemos (baixo/guitarra), Vini F. (baixo/guitarras e vocais). Tem influência de guitar bands dos 90´s (Pavement, Superchunk, Elastica e Weezer, só para ficar em alguns nomes) e delas, trás o que há de melhor: melodias trabalhadas, criadas pela versátil cozinha da banda.

As letras, em português, consagram Vini F., principal letrista da banda, como o grande compositor que o grande público ainda não conheceu. Vini F. trouxe para o rock´n´roll a sutileza em letras inteligentes, sem soarem "engraçadinhas". São canções repletas de poesia, que nos envolvem em um mundo particular e peculiar.

Outro fato relevante em relação à dinâmica da banda foi o modo como o seu disco de estréia, Isto Não é Um Disco de Jazz (2007) foi lançado. Antes do Pato Fu ter lançado Daqui pro Futuro no formato virtual primeiro que no formato físico, e muito antes do Radiohead ter surpreendido a indústria fonográfica com o lançamento do seu último trabalho, In Rainbows, para download com valores definidos pelo usuário, o Jazzblaster já havia arquitetado o lançamento mais condizente com o forma de distribuição de música atual: No dia 07/07/2007, ao tocar na Toy Lounge, casa de música alternativa de São Paulo, distribuíram gratuitamente as 8 músicas do disco, em formato MP3, para todos que compareceram ao show munidos de seus MP3 Players, Pen Drives e IPods. Forma de lançamento mais moderna, impossível.

Das 8 faixas do disco, destaco algumas para quem quiser se iniciar no trabalho da banda:

Asfixia faz jus ao nome. Cantada em ritmo frenético que mal pode ser acompanhada, faz com que sintamos vontade de gritar a plenos pulmões: “meu sangue jorra cada dia mais, meu sangue pede uns minutos mais”, diz a letra, que também te dá liberdade o suficiente para nunca mais precisar limpar o que sujou.

A música que mais me impressiona é As portas e os Olhos Entreabertos, pelo ritmo suave e límpido, e a letra descritiva de um caso de solidão. “Passava as mãos tirando o pó da velha escrivaninha azul” é uma prévia de versos cativantes.

Ida, última faixa do disco, insere o ouvinte em um universo semelhante ao d´O Processo, de Kafka. Ao iniciar a música assim: “...e só por isso não vou te levar embora daqui”, o compositor faz com que fiquemos sem saber o motivo do abandono e do castigo, tal como Joseph desconhecia o motivo de seu julgamento no livro citado. A letra começa reticente, e cria reticências interpretativas também.

Tive a oportunidade de conferir a banda ao vivo, infelizmente, por apenas uma vez. Como já citado nas primeiras linhas, precisei esperar algumas bandas, que como de costume atualmente, pecam pelo excesso de humor e ainda acreditam que atitude é subir ao palco e falar mal do Caetano Veloso.

Contudo, o Jazzblaster não decepcionou e fez um belo show, mesmo que curto. A banda tem muita energia e carisma, ótimas músicas e ótimas letras, e acima de tudo, originalidade. Nani e Vini se revezam na guitarra e baixo, Pablo toca bateria enquanto canta em uma cover do Weezer, criando uma ambiente intimista, descontraído, e proporcionando um verdadeiro deleite aos olhos e ouvidos. Sinceramente, não entendo como ainda não conseguiram um destaque maior na mídia, especializada ou não, o que faria com que os shows fossem mais freqüentes e a justiça fosse feita.

Há perguntas cujas respostas são indefinidas: Será que existe vida após a morte? Será que existe vida em marte? Será que garagens ainda produzem boas bandas no Brasil?

Se depender do Jazzblaster, ao menos uma destas perguntas já tem resposta.



P.S.: Devido à dificuldade de lançamento do disco em formato físico, em breve a banda o disponibilizará para download em seu site. Não importa se é um disco de jazz ou não. O que importa é que é música de altíssima qualidade, o que é sempre bem-vindo.

Por enquanto, alguns vídeos e músicas podem ser conferidos nos links abaixo:

http://www.jazzblaster.com.br

http://www.myspace.com/thejazzblaster

Comunidade no Orkut com Participação
dos Integrantes da Banda: Entre Aqui


sábado, 2 de fevereiro de 2008

Lobão - A Vida é Doce
***As vezes é melhor deixar a onda passar...***



Eu sou o tenebroso, o irmão sem irmão, o abandono, inconsolado, o sol negro da melancolia”: assim começa um dos discos mais importantes que já passaram por estes ouvidos. Achava muito estranho para uma pessoa que não acompanhasse, ou mesmo para quem acompanhou a carreira do cantor desde os anos 80, entender àquele álbum. Era a contramão da contradição do que fazia nos anos anteriores. Nada de rock´n´roll, nada de new wave, nada de pseudo-MPB. Seguiu o caminho oposto ao mainstream e das facilidades radiofônicas, não emplacou hits, numerou os CD´s, vendeu um número de cópias acima do normal para os padrões e reinventou o conceito de música independente no Brasil.
Criou um disco de músicas não-entituladas rock, Nostalgia da Modernidade (por sinal, um dos melhores nomes de disco que já vi), de 1995, um outro de música “eletronizada”, A Noite, de 1998, até chegar a este que é a sua obra máxima (até o momento), A Vida é Doce, de 1999.
Tenho um sério problema em me lembrar quem me apresentou alguns artistas e bandas por ter sido há algum tempo, e na época não devo ter prestado tanta atenção, mas podem continuar me emprestando livros, cd´s, discos e DVD´s que minha memória está melhor, e não apenas não esquecerei, como ainda, devolverei todos.
Deste lembro-me vagamente que foi um amigo que mora na rua de cima até os dias de hoje. O disco vinha encartado em uma revista, que tinha algumas letras e poemas. Ele tinha comprado em uma banca de jornal. CD em banca de jornal? E não era um daqueles de coleções ou de demonstração de jogos para computador? O conceito de distribuição era diferente, e por isso conseguiu sucesso.
A qualidade do disco é incontestável, e somente a falta do pagamento de “jabá” explica porque não alcançou sucesso radiofônico. Algumas faixas me chamaram atenção, mas ainda preferia o material produzido nos anos 80, como todo bom ouvinte de rock nacional FM. Tempos depois adquiri este disco em um Sebo, e nunca mais parei de ouvir. As intenções dos trabalhos anteriores foram mescladas, então as boas letras continuaram lá, junto com guitarras e efeitos eletrônicos. Arrisco até a dizer que é um disco bastante voltado ao trip-hop em seu melhor estilo Portishead. Músicas como Universo Paralelo, Tão Perto, Tão Longe e Mais Uma Vez mostram que efeitos eletrônicos sutis funcionam quando bem empregados. Descobri que a obra produzida pelo artista durante sua fase independente/anos 90 era infinitamente superior ao que produziu enquanto em uma gravadora major.
De todas faixas, as que mais merecem destaque são El Desdichado II pela letra poética e triste, cujos versos iniciais da canção se encontram no princípio do texto. O compositor um dia disse que foi escrita para um amigo que foi assassinado por uma criança de 13 anos, mas nunca soube deste história com mais profundidade. Tem também Tão Menina, descrita como “o hino da criança junkie” e com os versos “suas lágrimas que nunca brotaram inudam sua alma”, e a faixa título, A Vida é Doce, que na minha opinião é a música mais completa feita nos anos 90. A instrumentação orquestrada, misturando o trip-hop do Massive Attack, vocal falado, estilo hip-hop e letra fora de série, com múltiplas interpretações, e que ao final só nos faz sentir vontade de correr e pedir perdão.
O sentimento me persegue sempre que ouço a música A Vida é Doce é uma vontade imensa de chorar, e não é pelo drama ou tristeza da música, é por sua beleza. E enquanto ouço, fico feliz, por saber que ainda sou capaz de chorar diante de uma música do Lobão, um filme de Paul Thomas Anderson e um livro do Saramago, e me alegro em saber que palavras ainda tem um poder que nenhum corretivo apaga e nenhum coração resiste, por mais belas ou horrendas que sejam.

Conheça mais sobre a banda:

http://mtv.uol.com.br/lobao/news

http://www.myspace.com/lobaouniversoparalelo